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A IRMÃ DE LEITE DA PRINCESA

Romance Histórico
Portugal, 1845-1913


autor
Jorge Francisco Martins de Freitas

Episódio 4

A rainha D. Maria II e o seu marido sempre se preocuparam em disponibilizar aos filhos uma esmerada educação, tendo contratado, para o efeito, os melhores professores, colmatando o trabalho destes com frequentes lições prestadas por eminentes vultos ligado à Cultura.

O infante D. Pedro, na sua qualidade de futuro monarca, foi o que recebeu a educação mais primorosa. Para além de Alexandre Herculano ter sido seu tutor, teve como mestra, aos 10 anos de idade, D. Maria Carolina Mishisch e, mais tarde, Martins Basto. Após ter estudado latim durante 6 meses, já conseguia traduzir, para português, textos históricos de Eutrópio e fábulas de Fedro e, dois anos mais tarde, difíceis trechos de Virgílio, Tito Lívio e Cícero. Tornou-se igualmente fluente em francês e alemão, tendo chegado a iniciar estudos de inglês. Fizeram também parte da sua educação, entre outras matérias, a filosofia e as ciências naturais.

Após D. Maria II ter autorizado que Maria Isabel se juntasse aos seus filhos para comemorar o terceiro aniversário de D. Antónia, a família real habituou-se a ver sempre por perto a filha de Ana Francisca, pois a princesa não dispensava a sua presença.

As constantes e despreocupadas brincadeiras entre ambas depressa deram lugar à aprendizagem das primeiras letras. A professora contratada pela rainha para ensinar a sua filha vê-se a braços com duas alunas:

— Isa, desenhe comigo a letra A...

— Está bem, D. Antónia – responde a filha de Ana Francisca, habituada que fora, desde pequena, a tratar a princesa antepondo ao seu nome “dona”.

Aparentemente, tanto Maria Isabel como a própria princesa consideravam que “dona” fazia parte do nome desta última. Numa carta que, anos mais tarde, dirigirá à mãe, a infanta assina assim mesmo: Dona Antónia.

À medida que a princesa vai avançando nos estudos, Maria Isabel mantém-se sempre a seu lado. Apesar dos professores não lhe dedicarem tanta atenção como a D. Antónia, começa a revelar ser detentora de uma inteligência acima da média, chegando mesmo a ajudar a princesa a executar algumas tarefas escolares que ela assimilara melhor.

A filha de Ana Francisca, apesar da sua ainda tenra idade, mostra possuir o discernimento suficiente para seguir os conselhos da progenitora, mantendo junto da Família Real uma postura discreta e respeitosa.


D. Maria II em 1852, retratada por William Charles Ross

A 4 de Abril de 1852, pouco tempo depois da princesa e sua irmã de leite terem celebrado o sétimo aniversário natalício, o dia amanhece um pouco acinzentado, mas, em breve, o sol surge, um pouco a medo, entre as nuvens, incentivando a população a participar nos inúmeros atos litúrgicos que, aos domingos, enchem todos os templos da cidade de Lisboa.

Depois de ter assistido à missa das nove horas, a rainha, acompanhada dos infantes D. Maria Ana, D. Antónia e D. Fernando, está prestes a sair do Palácio das Necessidades, a fim de visitar o Passeio da Estrela, inaugurado no dia anterior.

Perante a insistência de D. Antónia, a soberana vê-se obrigada a levar consigo a Maria Isabel, modestamente trajada em comparação com a elegante indumentária usada pelos três infantes.

A construção deste espaço de lazer, situado em frente da basílica da Estrela, havia sido encetada dez anos antes, por iniciativa do ministro do Reino Costa Cabral. A rainha tinha apoiado de imediato esta obra que recebeu diversas ajudas financeiras para a sua concretização, nomeadamente um donativo de quatro contos de Joaquim Manuel Monteiro, um português radicado no Brasil.

As obras estiveram paradas cerca de seis anos, durante o conturbado período que assolou politicamente Portugal, mas foram rapidamente retomadas, sob orientação dos jardineiros Jean Bonnard e João Francisco.

Este lugar público, mais tarde denominado Jardim da Estrela, possuía, na altura, elementos que já não existem atualmente, como antigos quiosques, estufas e um pavilhão chinês.

De mãos dadas, D. Antónia e a sua irmã de leite seguem um pouco à frente da soberana e dos outros dois príncipes, divertindo-se a ver uma pata que caminha em cima da relva seguida de seis patinhos. Estes e outros animais aquáticos, incluindo alguns cisnes, haviam sido para ali trazidos a fim de povoar os lagos artificiais que tornam ainda mais aprazível este lugar.

Apesar de já estarem habituadas aos patos do palácio, ambas se deliciam com estes, por estarem inseridos cum ambiente diferente.

— D. Antónia, estes patinhos são tão bonitos! – afirma Maria Isabel. – Vamos apanhar um?

— Vamos sim, Isa! – responde a princesa, encantada com a sugestão.

Começam a correr atrás dos patinhos, mas não conseguem alcançar nenhum, pois a pata havia-os conduzido para detrás de uns arbustos de difícil acesso.

— Não estejam a correr atrás dos patos – grita D. Maria II, preocupada principalmente com a comportamento de sua filha.

Ambas acatam a ordem da rainha, por quem têm o maior respeito.

Um pouco mais adiante, D. Fernando, que faria em julho seis anos de idade, junta-se às brincadeiras encetadas pela princesa D. Antónia e sua amiga. De repente, uma criança, aparentando ter a idade do príncipe, vem ter com ele e tenta abraçá-lo, desconhecendo tratar-se de um elemento da família real. D. Fernando, sentindo repulsa dele, afasta-o com um safanão.

Esta cena não passa despercebida à rainha. Chama o jovem do povo para junto de si e, dirigindo-se ao filho diz-lhe:

— Peça imediatamente desculpa à criança e retribua o abraço!

Um episódio idêntico já havia ocorrido, há alguns anos, com o príncipe D. Luís, quando este circulava com a mãe no Passeio Público.

Com este procedimento, D. Maria II pretendia mostrar aos filhos que não havia qualquer diferença entre eles e os restantes meninos do país: todos eram portugueses iguais nos direitos e nos deveres, sendo merecedores do maior respeito, independentemente da posição que, por nascimento, ocupassem na sociedade.

Esta admirável atitude da soberana explica, em parte, a autorização que esta havia dado a Maria Isabel de conviver diariamente com D. Antónia e outros membros da Família Real.

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Em 1520, o rei D. Manuel I havia nomeado Luís Homem como o primeiro correio-mor do Reino, incumbindo-o de organizar um serviço público de correios. As cartas eram pagas pelos destinatários que, muitas vezes, se recusavam a aceitá-las, por não terem dinheiro para satisfazer as elevadas verbas que lhes eram cobradas. Para cálculo deste valor, os correios tinham de contar com o prejuízo resultante dos inúmeros assaltos a que os mensageiros estavam sujeitos ao transportarem consigo as importâncias que recebiam.

Para ultrapassar este problema, é introduzido, em Portugal, à semelhança de outros países, o pagamento pré-pago deste serviço, mediante a aquisição de um selo que é colado pelo remetente no envelope da carta.


Primeiros selos portugueses, com o busto de D. Maria II

A 1 de Julho de 1853, são postos à venda os primeiros selos de correio portugueses, com um valor facial de 5 e 25 reis. No dia seguinte, surge o selo de 100 reis e, vinte dias mais tarde, o de 50 reis. Todos continham um busto, em perfil, da D. Maria II, desenhado por D. Fernando II.

Para comemorar este acontecimento, a soberana e o marido distribuem alguns selos pelos filhos. D. Antónia aproveita para enviar, por via postal, uma cartinha para a sua mãe e outra para Ana Francisca, tendo, nesta última, juntado um bilhetinho escrito por Maria Isabel.

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Após o nascimento de D. Augusto, D. Maria II, contrariando a sábia opinião dos médicos, continuava a insistir em ter mais filhos. Para além do risco de poder falecer durante o parto, deixou de os gerar nas devidas condições: os dois descendentes seguintes, Leopoldo (7 de maio de 1849) e Maria da Glória (3 de fevereiro de 1851) nasceram já mortos.

Entretanto, Alfredo já havia compreendido que Ana Francisca nunca iria corresponder às suas tentativas de aproximação amorosa, pois o coração desta ainda deveria pertencer ao misterioso pai de sua filha.

Para tentar esquecer o amor que por ela nutria, o moço da estrebaria começara a participar, à noite, em reuniões – muitas delas secretas – levadas a cabo pelo movimento republicano.

Por seu lado, a senhora Luísa substituíra a inveja que sempre experimentara pela ama de D. Antónia, por um relacionamento mais amistoso, convicta que, com esse procedimento, talvez viesse a alcançar algum benefício, dada a proximidade que ela e a sua filha detinham junto da família real.

Naquela noite, Ana Francisca, após ter posto a dormir a infanta, dirige-se a sua filha dizendo:

— Isa, não te afastes de D. Antónia! Tenho de ir tratar de um assunto. Se a princesa acordar, conversa com ela até eu chegar, está bem?

— Está bem, mãezinha – responde Maria Isabel com ternura, acrescentando, de seguida:

— Não demores muito! Fico triste quando tu estás muito tempo longe de mim!

— Voltarei antes da meia-noite. Até logo!

De imediato, cobre o vestido com uma longa capa e dirige-se, apressadamente, para fora do palácio, através de um portão existente no jardim.

Calcorreia, com rapidez, algumas ruas, alcançando, ao fim de alguns minutos, uma imponente residência, cercada por um bem tratado jardim murado.

Faz soar uma pequena sineta junto ao portão de entrada, sendo recebida por um austero mordomo:

— Boa noite, menina! O senhor já chegou e está à sua espera. Vou acompanhá-la!

— Não é necessário, senhor Bonifácio. Conheço muito bem o caminho! A porta de acesso ao interior da casa já está aberta?

— Está, sim, menina!

— Obrigada, senhor Bonifácio. Boa noite!

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Ligações aconselhadas

Jardim da Estrela na atualidade

Um documentário de sete minutos e meio produzido pelo magazine O Leme



© Jorge Francisco Martins de Freitas.
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