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Era domingo de Ramos naquele dia 4 de Abril de 1819. Foi com emoção e alegria que o rei D. Pedro IV de Portugal e sua mulher, a arquiduquesa Leopoldina de Áustria, tiveram a sua primeira filha: nascida em terras brasileiras, no palácio da Boavista. Alí vivia a família real, fugindo aos franceses que tinham invadido o reino.

Decerto, alguém se esqueceu de convidar as fadas para o banquete de baptizado, pois esta princesinha, loira como a mãe, de pele muito fina, não teve na pia baptismal mais do que um nome pomposo e um título, como se impunha à sua condição de futura rainha – Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Rafaela Gonzaga, princesa da Beira e do Grão-Pará. Mas ninguém pegou na varinha de condão para desejar a esta menina uma vida longa e feliz, sem perturbações nem escolhos.

Na quinta de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, Maria da Glória vai ter uma infância despreocupada e feliz, educada e muito amada pelas camareiras do palácio e pelos pais. Aos 7 anos, essa alegria é interrompida abruptamente com a morte da mãe. O pai será o seu grande amigo e protector. Nem mesmo os graves problernas políticos que D. Pedro IV enfrenta no Brasil e em Portugal lhe fazem esquecer a sua filha mais velha a quem vai escrever cartas sempre ternas, que terminavam “adeus minha adorada filha...teu saudoso pai que muito te ama D. Pedro”.

Estava-se no ano de 1822 e a nossa princesa contava dois anos e meio quando nas margens do rio Ipiranga se dá o grito da independência do Brasil. Em Portugal, morre, entretanto, D. João VI e seu filho, D. Pedro IV, residente no Brasil, vai ter de optar entre ser imperador do Brasil ou rei de Portugal.

Escolhe o Brasil e, em 1826, abdica do trono de Portugal, em nome da filha, Maria, apenas com sete anos.

Outorga a Carta Constitucional e, simultaneamente, é combinado o casamento da jovem princesa com seu tio D. Miguel, na vã esperança de que em Portugal a paz pudesse triunfar. Mas adivinham-se graves perturbações.

Esta menina começa a pouco e pouco a perceber que vai deixar de ser criança e que o seu destino lhe vai impor uma conduta diferente da das outra meninas da sua idade.

Aos 9 anos, é mandada para a Europa, acompanhada pelo marquês de Barbacena, seu tutor, homem de confiança de seu tio D. Pedro, também ele nascido no Brasil, general e diplomata. O destino é a corte de Viena, para ser educada pela avó materna, mulher de Francisco I. Mas, durante o tempo da viagem, D. Miguel, em Portugal, proclama-se rei e o marquês de Barbacena considera mais seguro rumar a Falmouthe e, depois, até Londres.

Nesse período, em Inglaterra, havia uma numerosa colónia de portugueses liberais exilados. D. Maria é recebida com entusiasmo em Plymouth. Reinava em Windsor o rei Jorge IV. O duque de Wellington bem como lord Beresford, que, anos antes, tinham comandado os exércitos portugueses ao serviço de D. João VI, vão prestar-lhe as homenagens devidas. Nos seus 9 anos precoces, Maria da Glória diz ao duque de Wellington: “ Sei que vós noutro tempo salvastes meu avô; espero portanto que também agora salveis sua neta” e Jorge lV na recepção no palácio vai brindar “à sua jovem amiga e aliada, a rainha de Portugal.”

Sobre D. Maria, escrevia Almeida Garrett, no exílio: “Uma princesa que tem de reinar por si e por seu próprio direito, é fêmea de facto e varão de direito e a educação tem, neste caso, de contrastar a natureza e diminuir quanto é possível a mulher para que só fique a rainha”.

Por motivos de segurança, em 1829, D. Maria teve de regressar ao Brasil. As longas viagens devem ter-lhe dado tempo para meditar na sua vida, na maturidade que lhe era pedida ainda tão nova. E preparava-se para ser rainha, ainda sem saber que o seu reinado seria dos mais terríveis períodos da nossa História, época de radicalismos e constante guerra civil.

Sempre acompanhada da sua fiel camareira, D. Leonor da Câmara, Maria da Glória encontra no Brasil o pai casado pela segunda vez com Amélia de Beauharnais.

É esta que se vai incumbir da sua educação, impondo-lhe um horário espartano de estudo. Ela nunca simpatizou com a camareira, amiga e confidente da jovem princesa.

Em Portugal, a agitação é grande e, no Brasil, o seu pai tem também problemas difíceis.

Uma vez mais, Maria da Glória vai ter de atravessar o Atlântico, numa prolongadíssima viagem de 93 dias.

Chega a Brest a 11 de Julho e parte depois com o pai e a madrasta para Paris. D. Pedro vai voltar com a filha a Londres, no dia 7 de Agosto. É recebida pelos portugueses exilados políticos que, representados por uma delegação, irão, no dia 15, oferecer-lhe o belíssimo ceptro de ouro onde se evoca a Carta Constitucional.

Prenda de enorme significado político e de enorme valor com o qual a rainha se vai deixar retratar em mais de uma ocasião.

Segue depois para Paris, para a corte de Luís Filipe de Orleães, liberal e democrata que apoiava o partido de D. Pedro IV. A princesa e D. Amélia vão ficar hospedadas num palácio perto de Paris.

Para a princesa Maria esta curta estadia vai ser recordada como um dos períodos mais felizes da sua atribulada existência: idas ao teatro, bailes, convivência com os filhos de Luís Filipe, passeios, enfim, uma lufada de ar fresco nestes nove anos de constante vaivém. Será aqui que uma grande amizade irá nascer e durará até ao fim dos seus dias: Clementina, filha do rei, será a sua maior amiga, tendo trocado cartas regularmente. Essa amizade será mais tarde cimentada com o casamento desta princesa de França com um irmão do futuro marido de D. Maria. Dez anos depois, vão encontrar-se as duas em Portugal.

Enquanto D. Pedro IV organiza os apoios para a causa liberal contra o irmão Miguel, vai escrevendo para a filha, acompanhando o seu desenvolvimento intelectual e humano. A princesa tem os mesmos mestres que os infantes de Orleães.

Talvez o amor paterno tenha sido um factor importante na futura maneira como a jovem rainha irá ser mãe e educadora.

Para alguns historiadores, a rainha terá cometido erros graves como governante, mas são unânimes em lhe reconhecer os dotes de educadora. Daí o seu cognome.


IRMÃO CONTRA IRMÃO

As lutas prosseguem em território nacional entre apoiantes de D. Pedro e de D. Miguel entre liberais e absolutistas. A resistência a D. Miguel tinha na ilha Terceira, onde chegará D. Pedro, o seu quartel-general e a sua bem organizada armada, com dezenas de fragatas e outras embarcações e milhares de homens que vão, a 7 de Julho de 1832, desembarcar no Mindelo, no norte do país. Vai ser o grande dia de triunfo das forças liberais de todo o país.

No ano seguinte, a população de Lisboa vai receber entusiasticamente D. Pedro e o duque da Terceira. É então decidido que o marquês de Loulé vá a Paris buscar a futura rainha, na esperança de que a sua presença seja factor de pacificação dos exércitos rivais. Mas as lutas prosseguem por mais uns meses e só em 26 de Maio de 1834 o vencido D. Miguel vai assinar a capitulação na Convenção de Évora-Monte. A 1 de Junho, parte para Génova para o exílio, sendo-lhe proibido voltar a Portugal.

Tem 15 anos quando sobe ao trono D. Maria II, o 29.º monarca português e a segunda rainha reinante da nossa História. As Cortes reúnem expressamente para proclamar a maioridade da rainha.

O seu primeiro acto oficial, em Setembro de 1834, foi conceder a seu pai, já entre a vida e a morte, a Grã- Cruz da Ordem de Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Foi a própria rainha que lha colocou ao peito, perante a corte emocionada ao presenciar este gesto de justiça e ternura de uma jovem rainha para com aquele que fora muito mais do que rei, muito mais do que imperador, fora o seu grande amigo e protector. O pai morre poucos dias depois e D. Maria vai perceber que, a partir de agora, só consigo pode contar. Até a sua camareira fora afastada. A madrasta e as tias não lhe oferecem segurança. E vai enfrentar um país dividido em dois.

O seu primeiro ministério, presidido pelo duque de Palmela, encontra a oposição das Câmaras. Mas, por agora e por motivos políticos, é prioritário que a rainha se case e dê um herdeiro ao pais.

Às rainhas de Portugal estava vedado o casamento com estrangeiros e mesmo na Carta Constitucional de 1836 esse preceito ficara expresso. As Câmaras tiveram, pois, de se reunir para autorizar que a rainha pudesse casar com um estrangeiro.

Dos diversos noivos que lhe estiveram destinados, a madrasta vai-lhe escolher o seu próprio irmão. Fica decidido o casamento com Augusto de Leuchtenberg, neto de Maximiliano da Baviera.

A jovem rainha bem teria preferido casar com o duque de Nemours, filho de Luís Filipe de Orleães, que ela conhecia. Mas não lhe era permitido ter opinião, nessa altura. Acima de tudo, os interesses do Estado. Ou dos que a madrasta de Maria representava.

Luís Filipe de Orleães vai sentir esta escolha como uma afronta. Não podemos esquecer que a família real francesa tinha recebido D. Pedro, D. Amélia e D. Maria magnificamente, permitindo que D. Pedro organizasse num porto francês a frota que desembarcara no Mindelo e proporcionado à família portuguesa, num momento de crise, uma estadia verdadeiramente de luxo, tendo inclusivamente posto um palácio à sua disposição, com guarda de honra de cavalaria e infantaria, não privando os nobres hóspedes da menor atenção. Ao saber que a mão do seu filho era preterida pela de um príncipe austríaco, Luís Filipe vai ostensivamente demonstrar a sua desaprovação.

O casamento foi celebrado em 28 de Janeiro de 1835 mas o noivo morre de angina dois meses depois. Ainda mal refeita do acontecido, decidem casá-la de novo. O escolhido é Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, casamento negociado pelo conde de Lavradio, ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro Governo Constitucional.


UM PRÍNCIPE DO NORTE

Na conferência de Londres, os países europeus tinham acordado criar um novo país, a Bélgica, e para o seu trono fora escolhido Leopoldo de Saxe-Coburgo com o título de Leopoldo I. Fernando e Alberto são seus sobrinhos, primos entre si. Ambos vão casar com rainhas: Fernando com D. Maria II de Portugal e Alberto com a rainha Vitória de Inglaterra, com quem a nossa rainha vai manter correspondência ao longo do seu reinado.

As negociações do casamento foram longas e complicadas, visto D. Fernando ser possuidor no seu pais de grande fortuna e propriedades.

A rainha, jovem viúva, estava ansiosa por conhecer o seu futuro marido e chega a escrever à sua amiga Clementina para que lhe diga, ela que já o viu, como é ele. Quer saber tudo: se gosta mais do azul ou do cor-de-rosa, quer fazer o possível para lhe agradar, como qualquer jovem de 17 anos que vai casar com um jovem de 19. Casam em Abril de 1836 mas D. Maria só irá poder ver o seu marido meses depois.

Recebe-o de vestido azul mandado fazer em França.

Não será exagerado dizer que este casamento foi um raio de Sol na existência atribulada desta rainha portuguesa. Ela vai amar o seu príncipe. É verdade que fora um casamento político mas que se transformou num casamento de harmonia, entendimento e amor.

Como marido e mulher, vão estar do mesmo lado, se bem que no campo político nem sempre D. Fernando tenha apoiado a rainha. Mas esta tudo fez para que este estrangeiro fosse bem aceite pelos portugueses que desde logo perceberam que ele era mais dado às artes do que aos assuntos de Estado.

Após o casamento, D. Fernando é nomeado marechal-general do exército português e, como tal, vai combater durante vários anos. Nesses períodos de ausência, trocará cartas, em francês, com a sua jovem mulher, demonstrando que tinham bastantes saudades um do outro: são vulgares frases como “je pense toujours à toi”.

O reinado de D. Maria Il foi marcado por sucessivos confrontos entre adeptos da Constituição e da Carta Constitucional que defendiam de modo diverso o poder de intervenção dos soberanos.

Em Maio de 1836, procede-se a novas eleições. Nesse mesmo ano, dá-se a revolução de Setembro e a rainha é forçada a ir à Câmara Municipal jurar a Constituição de 1822.

Mas, em Novembro de 1836, dá-se novo golpe de Estado a – Belenzada - com o objectivo de restabelecer a Carta Constitucional que fora substituída pela Constituição de 1822.

A rainha está envolvida no golpe. D. Fernando está também do lado dos “cartistas”. No Tejo vai fundear uma esquadra com navios belgas e ingleses como medida de precaução para evitar que se dê algum incidente grave.

As forças antagónicas defrontam-se mas surge Passos Manuel que negoceia com a rainha. Assenta-se então na elaboração de urna nova Constituição.

Mas as vicissitudes por que passa D. Maria parecem não acabar e, nesse nefasto ano de 1826, um grande incêndio destrói o edifício do Tesouro e logo os Partidos se acusaram mutuamente.

Em 1838, foi promulgada nova Constituição, mas as crises ministeriais sucedem-se constantemente.


SERÕES EM FAMÍLIA

Quando, em Novembro de 1837, nasce o herdeiro do trono - o futuro rei D. Pedro V - D. Fernando será, por lei, declarado rei, com o título de Fernando II.

Passou à posteridade como o “rei artista”, na expressão do escritor Castilho. Era D. Fernando um homem de grancle cultura, literária e artística, falava sete línguas e era ele próprio pintor, desenhador, gravador e ceramista. Grande conhecedor da flora de Portugal que desenhou, foi, acima de tudo, um verdadeiro protector do nosso património monumental, tendo mandado restaurar os Jerónimos (que tinham ficado com uma parte do convento destruída durante o terramoto de 1755), o Convento de Mafra, a Torre de Belém, a Sá de Lisboa, a Batalha e o Convento de Cristo em Tomar. Foi um verdadeiro mecenas para Columbano Bordalo Pinheiro e para o compositor Viana da Mota. Comprou os primeiros quadros a pintores como Tomás da Anunciação e Franscisco Metrass, sem esquecer as bolsas que concedeu a outros pintores para irem estudar para o estrangeiro. A ele se deve que a custódia de Belém não fosse derretida na Casa da Moeda.

O próprio rei sabia música e nos serões familiares cantava acompanhado ao piano: tinha até uma voz bastante agradável. E a rainha esquecia os seus problemas de governante. Rodeada de amigos mais íntimos e dos filhos que iam nascendo, ia bordando ou fazendo qualquer peça de enxoval para os seus ou para os filhos das princesas suas amigas, filhos de Clementina de Orleães ou da rainha Vitória.

À frente do Governo continuava Passos Manuel, que incumbiu Garrett de reformar o teatro português. Este Governo vai durar pouco tempo, mas fez grandes progressos no campo do ensino e da modernização administrativa. A Passos Manuel devemos a criação dos liceus, a reforma das Universidades, a criação de escolas de ensino superior, as Escolas Politécnicas de Lisboa e do Porto.


PULSO FIRME

Em Janeiro de 1842, num golpe de Estado, Costa Cabral, liberal de longa data que já apoiara D. Pedro, pai da rainha, no desembarque no Mindelo, repõe a Carta Constitucional e um mês depois a rainha chama-o ao palácio e nomeia-o ministro do Reino.

Cabral vai governar com mão de ferro, mas prossegue a linha de progressos de Passos Manuel no campo cultural com a criação da Escola de Arte Dramática, da Academia de Belas-Artes, a criação da Imprensa Nacional, e, muito principalmente, inicia a construção de estradas. É acusado de dominar toda a administração, de fazer censura e de dominar, inclusivamente, a própria rainha, que já lhe dera o título de marquês de Tomar.

Esta protecção exagerada vai custar à rainha a afronta e ignomínia de ser acusada de manter relações mais íntimas com o seu ministro. Incidente que ultrapassa as fronteiras e caricaturas e artigos maldizentes em jornais estrangeiros vão deixar amargurada D. Maria II, se bem que publicamente a verdade venha a ser reposta. Tudo não passara de uma calúnia.

Ainda em 1846, vão dar-se revoltas e sublevações em vários pontos do país como a da Maria da Fonte e da Patuleia.

Nesse ano, Costa Cabral é afastado, mas só o será definitivamente em 1851, quando o marechal Saldanha irá estar à frente de novo Governo.

Só em Junho de 1847, com a assinatura da Convenção de Gramido, se pôs termo à guerra civil.

Em 1851, os partidos extremistas quase a forçam a abdicar mas recusa, pois sabe que, embora débil, a estabilidade do país passa por ela: “mais depressa morreria combatendo nas ruas do que abdicar”, afirmou então. Na opinião de Júlio Vilhena, político e historiador contemporâneo de D. Pedro V, D. Maria “foi vítima não diremos das suas qualidades, mas das péssinas qualidades dos homens que a rodearam, nenhum, absolutamente nenhum deles foi sincero amigo do trono”.


UM CASAL FELIZ

Temos que admirar esta rainha que consegue manter a cabeça fria, com um povo em pé de guerra permanente e em casa com uma prole numerosa para educar.

Nos seus 19 anos de reinado, soube sempre ser rainha e mãe, ao mesmo tempo, pois, em todas as crises políticas que o país atravessou, estava sempre D. Maria à espera de um filho e as suas obrigações como governante nunca foram descuradas por esse motivo.

Foi, realmente, uma mulher de grande força de vontade e de uma coragem assinalável. Se alguns contemporâneos a consideravam de difícil trato e autoritária e até tenha tido fama de “tirana”, a verdade é que se não tivesse sido uma rainha com pulso não teria acabado o seu reinado já sem guerras civis e proporcionado aos seus dois filhos que foram reis - D. Pedro V (infelizmente prematuramente morto pela “Colera Morbus”) e D. Luís, reinados, com uma certa estabilidade. É sabido que D. Luís foi um exemplo de monarca constitucional.

As crises políticas constantes no reinado de Maria da Glória não perturbam o seu ambiente familiar, mais do que uma vez toldado pelo profundo desgosto da morte dos filhos ainda pequenos. Dos 11 que teve, quatro morreram à nascença e D. Maria não verá o ano de 1861 em que os seus filhos, D. Pedro V já rei, João e Fernando irão morrer da epidemia de cólera.

A família real faz a sua vida pública, sendo costume D. Maria passear os seus filhos, de carruagem, por Lisboa ou a pé no novo passeio público, no Jardim da Estrela, cujos terrenos foram comprados em 1842. Sob a orientação de Bonard serão executados os trabalhos de jardinagem. A partir de 1850, os lisboetas tinham mais um belíssimo local de lazer para o qual contribuíram com avultadas ofertas muitos brasileiros, num significativo gesto de simpatia por esta rainha nascida no Brasil.

Bulhão Pato, nas suas Memórias, conta-nos que, certo dia, uma criança aproximou-se do príncipe D. Luís que passeava com a mãe e, ao querer abraçá-lo, sem perceber que o infante não era um menino como ele, D. Luís recua com repulsa. Mas D. Maria adverte-o, até com uma certa brusquidão, obrigando-o a pedir desculpa à criança ofendida e a retribuir-lhe o abraço. Desde cedo, a rainha tinha a preocupação de mostrar aos filhos que eram cidadãos comuns.

Os infantes estavam proibidos de tratar por “tu” o mais esquecido criado do palácio. A mãe não o permitia, bem assim como aos professores a quem eram dispensadas as mais respeitosas atenções. E se algum dia um dos infantes se lembrou de sair da aula sem dar satisfações ao mestre, foi só uma vez, porque a rainha, atenta e boa educadora, logo os orientava para o respeito e bom comportamento. De uma maneira geral, a rainha era alegre e bem humorada. Gostava de bailes que considerava óptimos meios de convivência e uma das festas a que a família real não faltava era de São João, que o duque da Terceira festejava no seu solar, abrindo portas e janelas e permitindo que nos seus jardins se misturasse, alegremente e sem preconceitos, nobres e populares. No dia seguinte, a festa acabava com uma tourada a que a rainha não faltava, pois era um dos seus momentos de lazer preferidos.

Com o passar dos anos e os frequentes partos, a rainha engordara e consta que se teria tornado ciumenta a ponto de afastar os embaixadores que tinham mulheres bonitas, com medo que o seu elegante marido se pudesse agradar delas.


A PAIXÃO PELO TEATRO

No seu reinado, apesar das vicissitudes por que passou, houve tempo para o progresso.

Em 1835, já fora estabelecido o ensino primário gratuito. Em 1836, por acção de Sé da Bandeira, é decretado o fim do tráfego de escravos nas colónias portuguesas a sul do Equador. O primeiro selo postal a circular em Portugal tinha a sua efígie, em branco, segundo desenho de Francisco Borba Freire. Foram cunhadas moedas de ouro, prata e as primeiras de cobre. Foi introduzido o sistema métrico e a telegrafia eléctrica.

Fontes Pereira de Meio, em 1851, cria o ministério das Obras Públicas e, secundado por Rodrigo da Fonseca, vai equilibrar as finanças do pais, até aí bastante depauperadas pela instabilidade política constante.

Para os que nasceram nos anos 50 deste século, devem recordar as notas de mil escudos com o seu rosto e aqueles caracóis caídos de lado, penteado com que ficou imortalizada.

De grande alcance social e político foi a abolição da pena de morte, em 1852, por crimes políticos.

A rainha tinha paixão pelo teatro, gosto esse que lhe ficara dos tempos vividos na Corte da França. Confessa que nos períodos de escassez de meios, quando reinou, lhe custava privar-se desse gosto.

Vai empenhar-se, apoiada por Garrett, para que se construa um Teatro que será edificado no Rossio sobre as ruínas do palácio da Inquisição - O teatro D. Maria II, segundo projecto de Fortunato Lodi. As obras vão decorrer entre 1842 e 1846. O tecto tinha pinturas de Columbano Bordalo Pinheiro que foram destruídas no incêndio de 1964.

A inauguração foi a 13 de Abril.

O Banco Mercantil Portuense é inaugurado em 1850.

Em 1851, sobe pela primeira vez à cena, nesse teatro, onde se introduziu a iluminação a gás, o drama de Garrett Frei Luís de Sousa.

No campo das Letras, o período do reinado de D. Maria da Glória foi de uma fecundidade notável. Destacam-se Alexandre Herculano, que, além de escritor e historiador, foi um grande defensor do património nacional, tendo escrito mesmo, em 1838, Monumentos Pátrios, Garrett, Andrade Corvo, Bulhão Pato, João de Lemos, o matemático Daniet Augusto da Silva, o historiador visconde de Santarém, o legislador Mouzinho da Silveira. Na pintura, Domingos Sequeira pinta o seu belissímo quadro A morte de Camões, infelizmente perdido.

Está-se em pleno Romantismo em toda a Europa: Géricault pinta a Jangada de Medusa, Berlioz compõe a sua Sinfonia Fantástica, Verdi escreve as suas inigualáveis óperas Nabuco e Traviata, Augusto Comte escreve o Curso de Filosofia Positiva,Vitor Hugo publica Nossa Senhora de Paris e Stendhal Le Rouge et le Noir, a escritora George Sand publica o seu primeiro romance e Balzac A Comédia Humana, Dickens escreve Oliver Twist e David Copperfield, Louis Daguerre inventa a fotografia. Pintores como Ingres e Delacroix deixam-nos fascinados com os seus quadros enormes, com temas de grande dramatismo e de uma beleza inexcedível. Na medicina, o éter e o clorofórmio são utilizados pela primeira vez como anestésicos. Do outro lado do Atlântico, a tecnologia avança vertiginosamente; desenha-se a primeira locomotiva e lsac Singer constrói a primeira máquina de costura.

No campo político, a Europa forma uma Quádrupla Aliança entre a Inglaterra, França, Espanha e Portugal para evitarem que os regimes absolutistas possam triunfar em Espanha e Portugal.


AMOR E EDUCAÇÃO

Como educadora, D. Maria II obrigava os filhos a uma grande disciplina acompanhada de muita compreensão e amor.

Os reis acompanhavam de perto os progressos nos estudos dos filhos.

Ester de Lemos no seu livro sobre D. Maria II, conta-nos em pormenor, baseada em cartas da época, como eram esses dias de exame dos principes. As provas eram prestadas perante os pais, professores e membros mais chegados da corte. Primeiro, era o pai a dar o seu parecer; depois, todos os presentes tinham que escrever a sua opinião que eram entre o bem “, “muito bem” e até “muitíssimo bem”. A mãe, que aqui deixava de ser rainha, nunca dava uma apreciação muito alta, era exigente com os filhos. No final, acabava numa festa com todos os presentes com as mesas postas como para um dia de aniversário. Faziam-se brindes e os infantes, como não bebiam álcool, levantavam o seu copo saudando com água.

O rei que tinha a paixão pelas plantas e flores apoiou os filhos a fazerem o seu herbário e cada infante tinha nos jardins do palácio das Necessidades o seu próprio talhão com árvores e flores, que tratavam com todo o cuidado.

Faziam bastante vida ao ar livre. Passavam as férias em Mafra, Colares e Sintra.

Nessa altura, já a ginástica era considerada fundamental para o bom desenvolvimento dos jovens e a rainha mandou colocar nos jardins do palácio barras e trapézios para a educação física dos filhos.

Sempre que era possível, D. Maria ia às touradas de que gostava muito. O rei não seria tão aficionado como ela. Tinha um temperamento diferente, a arte ocupava-lhe os seus lazeres. Coleccionava peças, que hoje podemos admirar em museus e palácios. Em 1838, vai comprar o antigo convento dos monges de S. Jerónimo e a cerca da Pena, em Sintra. As obras foram dirigidas pelo engenheiro alemão Von Eschweg e o português Possidónio da Silva. Só a abertura da estrada demorou dois anos.

O palácio começou a ser edificado em 1844 - só estará pronto em 1850. É o mais belo exemplar da arte romântica no nosso país, com toda a mistura de estilos que se usavam na época: cúpulas e minaretes, torres góticas, elementos renascentistas, manuelinos e até mudéjares. O local é único e a paisagem que de lá se pode contemplar torna-o uma visita obrigatória.

Infelizmente, D. Maria II não pôde desfrutar muito deste local maravilhoso, visto que vem a morrer de parto a 15 de Novembro de 1853. 0 cortejo fúnebre será quatro dias depois. Uma pomba poisou no coche funerário até S. Vicente de Fora, dando uma nota romântica e esta última viagem da desafortunada rainha.

Ficou sepultada no jazigo da família Bragança, no Panteão Real.

Será decretado luto por seis meses e o rei fica incomunicável durante oito dias.

D. Fernando assume a regência até à maioridade de D. Pedro V, seu filho.

Se bem que, mais tarde, case pela segunda vez com uma cantora lírica, a quem foi dado o título de condessa, D. Fernando, a 15 de Dezembro de 1885, repousará ao lado da que foi, durante 17 anos, sua mulher, companheira de bons e maus momentos, e mãe de seus filhos que ele continuou a educar nos mesmos moldes de D. Maria.

Um e outro foram acompanhados por uma multidão triste e sentida, pois foram amados pelo seu povo.

D. Pedro V, o futuro rei, resumiria numa frase enternecedora aquilo que esta nossa rainha foi como mãe:

“Minha Mãe, que aprendeu na escola da desgraça, que tinha os instintos muito superiores à sua espécie, conseguiu de nós o que há séculos não via a Casa de Bragança, que os irmãos vivessem unidos.”



(1) A versão inicial deste texto foi publicada na Revista Máxima de Dezembro de 1993. A presente versão, revista pela autora, foi inserida no Portal O Leme em 21-2-2005 e na edição de novembro de 2018 do Magazine O Leme.



O Leme recomenda a leitura do livro D. Maria II, a rainha insubmissa onde a autora deste artigo
desenvolve em profundidade a vida desta rainha e a sociedade da época.

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